'/> ·ï¡÷¡ï· V I D A Humana·ï¡÷¡ï·: Mao - A história desconhecida.

agosto 16, 2014

Mao - A história desconhecida.

Em tempos em que a humanidade de uma forma geral mais e mais se volta para o mundo espiritual, buscando força, estímulo e compreensão para sua existência, pululam aqui e ali grupos que, por conta da gritaria, querem forçar a impressão de que o ateísmo é quem se fortalece, tentando, de todo modo, tornar ridículo a crença em Deus. Justamente a crença que proporcionou o surgimento das maiores civilizações modernas.

Se na arqueológica temos como fundamento dos estudos aquilo que materialmente se encontra em algum sítio arqueológico, no campo das ideias, o objeto de estudo é aquilo que foi uma espécie de "pano de fundo" sobre o qual os acontecimentos dispersos do dia a dia podem ser reunidos e compreendidos.

É por comparação que desenvolvemos o pensamento e amadurecemos em nossas convicções.

Assim sendo, é notório que o cenário brasileiro não é dos melhores com relação as informações, tão politicamente modeladas atualmente, mesmo assim, vez por outra surgem obras essenciais à uma melhor compreensão do cenário mundial.

O livro que indico por aqui é um desses. Traz informações sobre um dos regimes mais sanguinários de todos os tempos, que conseguiu, em tempos de paz e em nome da descrença em Deus matar mais de 70 milhões de pessoas!

Allan Roberto Regis.

MAO - A história  desconhecida. (PDF)

..............................

"Mao: A História Desconhecida" é a mais sólida biografia de Mao Tse-tung já escrita, fruto de uma década de pesquisa em arquivos do mundo todo e centenas de entrevistas com amigos, colaboradores e conhecidos de Mao - boa parte dos quais nunca havia se pronunciado. O resultado do árduo trabalho de Jung Chang e de seu marido Jon Halliday é a demolição de diversos mitos.

O livro ataca o heroísmo da Longa Marcha, discorre sobre a ajuda financeira e militar da União Soviética de Stálin para a criação e o fortalecimento do Partido Comunista chinês e desqualifica os relatos de que os rebeldes comunistas teriam enfrentado os japoneses na Segunda Guerra Mundial.

Os autores mostram como Mao concentrou-se em expandir seu domínio durante quase três décadas, ainda que isso resultasse no sofrimento e na morte de dezenas de milhões de cidadãos. Para se perpetuar no poder, instituiu um clima de denúncias, perseguições e terror. Na intimidade, ele é descrito como um pai omisso, marido infiel e amigo pouco confiável.

Mao foi um dos lançamentos mais esperados no mundo todo e causou grande impacto quando foi publicado, no Reino Unido, em 2005.

____________

Mao Tse-tung, que durante décadas deteve poder absoluto sobre a vida de um quarto da população mundial, foi responsável por bem mais de 70 milhões de mortes em tempos de paz, mais do que qualquer outro líder do século 20″, escrevem Jung Chang e Jon Halliday em .

Mao –que assumiu o governo em 1949– se apoiou em estudantes, um dos objetivos principais era garantir a participação da juventude nas mudanças. Antes, o país vivia uma crise política e econômica.

A Revolução se fez a partir do campo, pelos camponeses, e não das cidades, pelos operários. Uma receita que contrariava a ortodoxia marxista.

A biografia é o resultado de uma década de pesquisa em arquivos do mundo todo…

Os autores procuram demolir diversos episódios da revolução chinesa. Eles contrariam o professado heroísmo da Longa Marcha, relatam ajuda financeira e militar da União Soviética de Stálin e desqualificam os relatos de rebeldes comunistas que teriam enfrentado o Japão na Segunda Guerra Mundial.

O livro causou grande impacto quando foi publicado, no Reino Unido, em 2005. No Brasil, a Companhia das Letras lançou o título em duas edições, a última delas, em versão econômica, em 2012. Abaixo, leia um trecho:

____________

PARTE 1
Um crente sem entusiasmo

1. Entre o antigo e o moderno

(1893-1911; 1-17 anos)

Mao Tse-tung, que durante décadas deteve poder absoluto sobre a vida de um quarto da população mundial, foi responsável por bem mais de 70 milhões de mortes em tempos de paz, mais do que qualquer outro líder do século XX. Ele nasceu numa família de camponeses, em um vale chamado Shaoshan, na província de Hunan, no coração da China, em 26 de dezembro de 1893. Seus ancestrais haviam vivido no vale por quinhentos anos.

Era um mundo de beleza antiga, uma região temperada, úmida, cujas colinas ondulantes e enevoadas eram habitadas desde o Neolítico. Templos budistas que datavam da dinastia Tang (618-906), quando o budismo ali chegou, ainda estavam em uso. Florestas onde quase trezentas espécies de árvores cresciam, entre elas bordo, cânfora, metassequóia e o raro ginkgo, cobriam a área e abrigavam tigres, leopardos e javalis, que ainda vagavam pelas montanhas (o último tigre foi morto em 1957). Esses morros, sem estradas nem rios navegáveis, separavam a aldeia do resto do mundo. Ainda no começo do século XX, a notícia de um acontecimento tão momentoso como a morte do imperador, em 1908, não chegou lá e Mao só ficou sabendo disso dois anos depois, quando deixou Shaoshan.

O vale de Shaoshan mede em torno de cinco por três quilômetros e meio. As cerca de seiscentas famílias que viviam ali plantavam arroz, chá e bambu e usavam búfalos para lavrar os arrozais. A vida cotidiana girava em torno dessas atividades antiqüíssimas. Yi-chang, o pai de Mao, nasceu em 1870. Aos dez anos de idade, ficou noivo de uma menina de treze, de uma aldeia distante cerca de dez quilômetros, do outro lado de uma passagem chamada Passo do Tigre em Repouso, onde os tigres costumavam tomar banho de sol. Naquele tempo, essa curta distância era o suficiente para que as duas aldeias falassem dialetos quase ininteligíveis mutuamente. Sendo uma mera menina, a mãe de Mao não recebeu um nome; e, como era a sétima filha do clã Wen, era conhecida apenas como a Sétima Irmã Wen. De acordo com séculos de costume, seus pés haviam sido comprimidos e amarrados para produzir os assim chamados “lírios dourados de três polegadas”, que eram o modelo de beleza da época.

O noivado com o pai de Mao seguiu costumes ancestrais. Foi arranjado pelos pais e se baseava numa consideração prática: o túmulo de um dos avôs dela estava em Shaoshan e precisava ser cuidado periodicamente com rituais elaborados; assim, ter um parente lá seria útil. A Sétima Irmã Wen mudou-se para a casa da família de Mao depois do noivado e casou-se aos dezoito anos, em 1885, quando Yi-chang estava com quinze.

Pouco depois do casamento, Yi-chang partiu para se tornar soldado, a fim de ganhar dinheiro para pagar as dívidas da família, o que conseguiu depois de vários anos. Os camponeses chineses não eram servos, mas agricultores livres, e entrar para o Exército por razões puramente financeiras era uma prática estabelecida. Felizmente, não se envolveu em nenhuma guerra; em vez disso, conheceu um pouco do mundo e captou algumas ideias para negócios. Ao contrário da maioria dos aldeões, Yi-chang sabia ler e escrever, o suficiente para lidar com contabilidade. Ao retornar, criou porcos e processou grãos para obter um arroz de alta qualidade, a fim de vender no mercado de uma cidade próxima. Comprou de volta as terras que o pai havia penhorado, depois comprou mais terras e se tornou um dos homens mais ricos da aldeia.

Embora relativamente próspero, Yi-chang continuou a ser um homem extremamente trabalhador e econômico por toda a vida. A casa da família consistia em meia dúzia de dependências que ocupavam uma ala de uma grande propriedade coberta de sapê. Mais tarde, Yi-chang substituiu o sapê por telhas, uma grande melhoria, mas conservou o chão batido e as paredes de barro. As janelas não tinham vidros – um luxo ainda raro – e eram apenas aberturas quadradas com barras de madeira, fechadas à noite com pranchas de madeira (a temperatura dificilmente caía abaixo de zero). A mobília era simples: camas de madeira, mesas e bancos de madeira nua. Foi num desses quartos espartanos, sob uma colcha de algodão azul tecida em casa, dentro de um mosquiteiro azul, que Mao nasceu.

Mao foi o terceiro filho, mas o primeiro a sobreviver à infância. Sua mãe, budista, tornou-se ainda mais devota para que Buda o protegesse. Mao ganhou o nome duplo Tse-tung. Tse, que significa “brilhar sobre”, foi o nome dado a toda a sua geração, tal como predeterminado quando a crônica do clã foi escrita pela primeira vez, no século XVIII; tung significa “o Leste”. Assim, seu nome completo significava “brilhar sobre o Leste”. Quando dois outros meninos nasceram, em 1896 e 1905, ganharam os nomes de Tse-min (minsignifica “o povo”) e Tse-tan (tan se referia possivelmente à região local, Xiangtan).

Esses nomes refletiam a inveterada aspiração dos camponeses chineses de que seus filhos fossem bem-sucedidos – e a expectativa de que poderiam ser. Altos cargos estavam abertos a todos por meio da educação, que durante séculos significou estudar os clássicos confucianos. A excelência possibilitaria que homens jovens de qualquer extração passassem nos exames imperiais e se tornassem mandarins – a caminho de se tornarem primeiros-ministros. Um cargo na burocracia era sinônimo de sucesso e os nomes dados a Mao e seus irmãos expressavam as esperanças neles depositadas.

Mas um grande nome também tinha um peso e desafiava potencialmente o destino; então, a maioria dos filhos ganhava um nome de estimação que era mais despretensioso ou forte, ou ambos. O de Mao era “Menino de Pedra” – Shi san ya-zi. Para esse segundo “batismo”, sua mãe o levou até uma rocha de cerca de dois metros e meio de altura, que tinha fama de ser encantada, pois havia uma fonte sob ela. Depois que Mao fez mesuras e reverências, foi considerado adotado pela pedra. Ele gostava muito desse nome e continuou a usá-lo na idade adulta. Em 1959, quando voltou a Shaoshan e se encontrou com os aldeões pela primeira – e única – vez na qualidade de líder supremo da China, começou o jantar para eles com um gracejo: “Então, estão todos aqui, exceto minha Mãe Pedra. Devemos esperar por ela?”.

Mao adorava sua mãe real, com uma intensidade que não demonstrava com mais ninguém. Ela era uma pessoa gentil e tolerante, que, como ele lembrava, jamais ergueu a voz para o filho. Dela herdou o rosto redondo, os lábios sensuais e um autocontrole calmo nos olhos. Mao falaria com emoção sobre a mãe pelo resto da vida. Foi seguindo seu exemplo que se tornou budista quando criança. Anos mais tarde, disse ao seu staff: “Eu idolatrava minha mãe [...] Onde quer que ela fosse, eu a seguia [...] indo a feiras de templos, queimando incenso e dinheiro de papel, fazendo reverências a Buda [...] Porque minha mãe acreditava em Buda, eu também acreditava”. Mas ele abandonou o budismo na adolescência.

Mao teve uma infância despreocupada. Até os oito anos, morou com a família da mãe, os Wen, na aldeia deles, pois ela preferia morar com sua própria família. Lá, sua avó materna o adorava. Os dois tios e esposas o tratavam como filho e um deles se tornou seu pai adotivo, o equivalente chinês de padrinho. Mao fazia um pouco de trabalho agrícola leve, juntando forragem para os porcos e levando os búfalos para passear nos bosques de camélias, junto a um lago sombreado por folhas de bananeiras. Na velhice, ele lembraria com ternura dessa época idílica. Começou a aprender a ler, enquanto as tias teciam e costuravam à luz de uma lamparina a óleo.

Mao só voltou a morar em Shaoshan na primavera de 1902, aos oito anos de idade, para receber instrução, que assumiu a forma de estudo na casa de um tutor. Os clássicos confucianos, que compunham a maior parte do currículo, estavam acima da compreensão das crianças e tinham de ser aprendidos de cor. Mao foi abençoado com uma memória excepcional e se saiu bem. Seus companheiros de estudo lembravam de um menino diligente que conseguia não somente recitar mas também escrever mecanicamente aqueles textos difíceis. Ele também adquiriu conhecimentos básicos de língua e história chinesas e começou a aprender a escrever boa prosa, caligrafia e poesia – escrever poemas era uma parte essencial da educação confuciana. A leitura tornou-se uma paixão. Em geral, os camponeses se deitavam ao pôr do sol, para economizar óleo, mas Mao ficava lendo noite adentro, com uma lamparina acesa sobre um banco, ao lado de seu mosquiteiro. Anos depois, quando era governante supremo da China, metade de sua enorme cama vivia empilhada de clássicos chineses e ele enchia seus discursos e escritos com referências históricas. Mas seus poemas perderam qualidade.

Mao entrava frequentemente em choque com seus tutores. Fugiu de sua primeira escola aos dez anos, dizendo que o professor era um tirano. Foi expulso de pelo menos três escolas – ou “pediram que as deixasse” – por ser teimoso e desobediente. A mãe o protegia, mas o pai não estava contente e o salto de Mao de tutor em tutor era apenas uma das fontes de tensão entre eles. Yi-chang pagava pela educação do filho e esperava que ele pudesse ao menos ajudar nas contas da família, mas Mao não gostava da tarefa. Durante toda a vida, foi confuso com números e uma nulidade em economia. Nem gostava muito do trabalho braçal pesado. Passou a evitá-lo assim que acabaram seus dias de camponês.

Yi-chang não suportava ver Mao ocioso. Tendo gasto cada minuto de seus dias trabalhando, esperava que o filho fizesse a mesma coisa e batia nele quando não obedecia. Mao odiava o pai. Em 1968, quando estava se vingando dos adversários políticos em vasta escala, disse aos torturadores deles que gostaria que seu pai tivesse sido tratado com a mesma brutalidade: “Meu pai era mau. Se estivesse vivo hoje, deveriam ‘pô-lo no jato’”. Tratava-se de uma posição de tortura em que os braços da pessoa eram presos às costas e a cabeça forçada para baixo.

Mao não era uma mera vítima do pai. Ele reagia e muitas vezes saía vitorioso. Dizia-lhe que, por ser mais velho, deveria fazer mais trabalho manual do que ele, o mais jovem – o que era um argumento incrivelmente insolente pelos padrões chineses. Um dia, de acordo com Mao, pai e filho tiveram uma briga diante de convidados. “Meu pai me repreendeu diante deles. Isso me enfureceu. Disse-lhe uns palavrões e saí da casa [...] Meu pai [...] me perseguiu, me maldizendo e ordenando que eu voltasse. Cheguei na beira de um lago e ameacei saltar se ele se aproximasse mais [...] Meu pai recuou.” Certa vez, ao recontar essa história, Mao riu e acrescentou uma observação: “Velhos como ele não queriam perder os filhos. Era essa a fraqueza deles. Eu ataquei o ponto fraco deles, e venci!”.

Dinheiro era a única arma que o pai de Mao possuía. Depois que o filho foi expulso pelo quarto tutor, em 1907, ele deixou de pagar os estudos e o menino de treze anos teve de se tornar camponês em tempo integral. Mas logo encontrou uma maneira de evitar o trabalho na lavoura e voltar ao mundo dos livros. Yi-chang estava ansioso para que o filho se casasse e assim, amarrado, passasse a se comportar com responsabilidade. Sua sobrinha estava com a idade certa para se tornar esposa, sendo quatro anos mais velha do que Mao, o qual concordou com o plano do pai e retornou à escola depois do casamento.

O matrimônio realizou-se em 1908, quando Mao tinha catorze anos, e a noiva, dezoito. O nome da família da garota era Luo, mas ela mesma não tinha nome próprio e era chamada apenas de Mulher Luo. A única vez que Mao a mencionou foi numa conversa com o jornalista americano Edgar Snow, em 1936, quando manifestou um notável desprezo e exagerou a diferença de idade entre eles: “Quando eu tinha catorze anos, meus pais me casaram com uma garota de vinte. Mas eu nunca vivi com ela [...] Não a considero minha esposa [...] e pensei muito pouco nela”. Não deu nenhuma pista de que não estava mais viva; na verdade, Mulher Luo morreu em 1910, pouco mais de um ano após o casamento.

O casamento precoce de Mao fez dele um feroz oponente dos casamentos arranjados. Nove anos depois, escreveu um artigo violento contra a prática: “Nas famílias ocidentais, os pais reconhecem a livre vontade dos filhos. Mas, na China, as ordens dos pais não são de modo algum compatíveis com a vontade dos filhos [...] Trata-se de um tipo de ‘estupro indireto’. Os pais chineses estão todo o tempo estuprando indiretamente seus filhos”.

Assim que sua mulher morreu, o viúvo de dezesseis anos exigiu partir de Shaoshan. O pai queria que ele fosse aprendiz num armazém de arroz na cidade próxima, mas Mao estava de olho numa escola moderna, distante cerca de 25 quilômetros. Ele soubera que o exame imperial fora abolido. Agora havia escolas modernas que ensinavam matérias como ciência, história e geografia mundiais e línguas estrangeiras. Foram essas escolas que abriram as portas de saída da vida camponesa para muitos chineses como ele.

No final do século XIX, a China havia embarcado numa transformação social dramática. A dinastia manchu, no poder desde 1644, vivia uma transição do antigo para o moderno. A mudança foi precipitada por uma série de derrotas acachapantes nas mãos das potências europeias e do Japão, a começar pela Guerra do Ópio, de 1839-42, quando as potências ocidentais vieram bater nas portas fechadas da China. Da corte manchu aos intelectuais, quase todos concordavam que o país precisava mudar se quisesse sobreviver. Fizeram-se muitas reformas fundamentais, entre as quais a instalação de um sistema educacional completamente novo. Iniciou-se a construção de ferrovias.

Indústrias e comércio modernos ganharam alta prioridade. Permitiu-se a existência de organizações políticas. Publicaram-se jornais pela primeira vez. Mandaram-se jovens ao exterior para estudar ciências e mandarins para aprender sobre democracia e sistemas parlamentares. Em 1908, a corte anunciou um programa para se transformar numa monarquia constitucional dentro de um período de nove anos.

Hunan, a província de Mao, que tinha algo em torno de 30 milhões de habitantes, tornou-se um dos lugares mais liberais e excitantes da China. Embora longe do litoral, era ligada por rios navegáveis à costa e, em 1904, sua capital, Changsha, se tornou um porto de comércio “aberto”. Um grande número de comerciantes e missionários estrangeiros chegou, trazendo modos e instituições ocidentais. Quando Mao ficou sabendo das escolas modernas, havia mais de cem delas, mais do que em qualquer outro lugar da China, inclusive muitas para mulheres.

Uma delas se localizava perto da aldeia de Mao e se chamava Monte Oriental, no condado dos Wen, a família de sua mãe. As taxas e despesas de acomodação eram bem caras, mas Mao conseguiu que os Wen e outros parentes convencessem seu pai, que arcou com o custo durante cinco meses. A esposa de um de seus primos Wen substituiu o velho mosquiteiro feito à mão por um de musselina feito à máquina, apropriado à modernidade da escola.

Essa escola abriu os olhos de Mao. Havia aulas de educação física, música e inglês e entre o material de leitura havia biografias resumidas de Napoleão, Wellington, Pedro, o Grande, Rousseau e Lincoln. Mao ouviu falar da América e da Europa pela primeira vez e ficou de olho em um homem que estivera no exterior – um professor que estudara no Japão e que os alunos apelidaram de “falso diabo estrangeiro”. Décadas mais tarde, Mao ainda lembrava de uma canção japonesa que esse professor ensinara e que celebrava a formidável vitória militar do Japão sobre a Rússia em 1905.

Mao esteve na escola Monte Oriental apenas por alguns meses, mas foi o suficiente para que encontrasse uma nova abertura. Em Changsha havia uma escola criada especialmente para jovens do condado dos Wen e Mao persuadiu um professor a matriculá-lo, ainda que, em termos estritos, ele não pertencesse àquele condado. Na primavera de 1911, chegou a Changsha sentindo-se, em suas próprias palavras, “extremamente excitado”. Aos dezessete anos, dizia adeus para sempre à vida de camponês.

Mao afirmou mais tarde que quando era menino, em Shaoshan, se preocupara com os camponeses pobres. Não há provas disso. Ele disse que fora influenciado, ainda em Shaoshan, por um certo P’ang, o Fazedor de Mós, que tinha sido preso e decapitado após liderar uma revolta local de camponeses, mas uma busca exaustiva dos historiadores do Partido Comunista por esse herói não encontrou nenhum traço dele.

Não há sinais de que Mao tenha derivado de suas raízes camponesas alguma preocupação social, muito menos que fosse motivado por um sentimento de injustiça.

Em 5 de abril de 1915, o professor Yang Chang-chi escreveu em seu diário: “Meu aluno Mao Tse-tung disse que [...] seu clã [...] é composto principalmente de camponeses, e é fácil para eles enriquecer” (grifo nosso). Mao não demonstrava nenhuma simpatia em particular pelos camponeses.

Até o final de 1925, quando estava com trinta e poucos anos, e cinco anos depois de se tornar comunista, Mao fez poucas referências a camponeses em todos os seus escritos e conversas conhecidos. Eles aparecem, de fato, numa carta de agosto de 1917, mas, longe de expressar simpatia, Mao diz que estava “surpreso” com o modo como um comandante chamado Tseng Kuo-fan havia “liquidado” com a maior revolta camponesa da história chinesa, a Rebelião Taiping, de 1850-64. Dois anos depois, em julho de 1919, Mao escreveu um ensaio sobre pessoas de diferentes ocupações na vida – os camponeses foram inevitavelmente mencionados -, mas sua lista de questões era muito geral, e seu tom, neutro. Havia uma notável ausência de emoção quando mencionava os camponeses, em comparação com a paixão que transpirava ao falar dos estudantes, cuja vida descrevia como “um mar de amargura”. Em uma lista abrangente de pesquisas que traçou em setembro daquele ano, que continha não menos que 71 itens, somente um título (o décimo) era sobre trabalho; o único de seus subtítulos que mencionava camponeses só o fazia como “a questão dos lavradores que intervêm na política”. A partir do final de 1920, quando entrou para a órbita comunista, Mao começou a usar expressões como “operários e camponeses” e “proletariado”. Mas eram meras frases, parte de um vocabulário obrigatório.

Décadas depois, Mao falou sobre como, na época em que era um jovem de Shaoshan, ele se preocupava com o povo faminto. Os documentos não mostram tal preocupação. Em 1921, Mao esteve em Changsha durante uma epidemia de fome. Um amigo dele escreveu no diário: “Há muitos mendigos – devem ser mais de cem por dia [...] A maioria [...] se parece com esqueletos embrulhados em pele amarela, como se pudessem ser levados por uma rajada de vento”. “Ouvi que tanta gente que veio para cá [...] a fim de fugir da fome em suas regiões, havia morrido – que aqueles que vinham dando tábuas de madeira [para fazer caixões] [...] não têm mais condições de fazer isso.” Não há menção desse evento nos escritos de Mao da época, e nenhum sinal de que tenha dado alguma atenção a esse assunto.

O passado camponês de Mao não o imbuiu de idealismo que pudesse melhorar o fardo dos camponeses chineses.

Nenhum comentário: